A Perseguição Contra Movimento Hizmet
A República da Turquia foi fundada na base da herança do Império Otomano. A nova República começou com um sistema unipartidário em que o secularismo, o laicismo e a modernização foram a política de enculturação dos governos opressivos. A transição para o sistema multipartidário ocorreu somente em 1946, como resultado da aproximação à OTAN e à aliança do Ocidente para impedir a expansionismo soviético. Essa e muitas outras causas impediram, por muitos anos, a institucionalização da democracia plena na Turquia. Os golpes realizados em 1960, 1971, 1980 e 1997 foram demonstrações da tutela militar sobre a democracia turca. O Governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), fundado com a liderança do antigo prefeito de Istambul, Recep Tayyip Erdogan, surgiu como uma esperança para a democracia turca. Entre 2002 e 2010, o período considerado como “a era de ouro da Turquia” por cientistas políticos, as leis de conformidade com a União Europeia (EU), as fortes medidas tomadas no processo de democratização, os movimentos econômicos bem-sucedidos, os trabalhos de integração com o sistema internacional, assim como o enfraquecimento da tutela militar, fizeram com que a Turquia aparecesse como uma estrela em ascensão na sua região. Neste processo de democratização e integração com os valores universais, o Movimento Hizmet tomou uma atitude positiva e construtiva: organizou e organiza, em todo o mundo, atividades de ajuda internacional, serviços educacionais, na qual reune pessoas de diferentes religiões e culturas e, deste modo, ficou conhecida como uma das organizações civis mais pacíficas do mundo. A clara interrupção da atitude positiva do Movimento Hizmet ao governo surgiu quando a tendência autoritária de Erdogan começou a ser evidente e quando ele tentou tomar o controle de outros tomadores de decisão, violando o princípio da “separação dos poderes”, uma das caraterísticas essenciais da democracia. A política externa regional muito agressiva de Erdogan durante a “Primavera Árabe” foi um dos fatores de grande preocupação para o Movimento Hizmet. Em 2012, A Fundação de Jornalistas e Escritores, uma instituição proeminente do Movimento Hizmet, anunciou através de uma declaração escrita ao público, que o Hizmet não apoia nem apoiaria nenhum partido político, mantendo-se assim com a mesma distância em relação a todos os partidos. Em contrapartida, Erdogan ameaçou confiscar os cursos pré-vestibulares ou “dersanes” - que ocupa um lugar muito importante no sistema educacional turco - e iniciou o processo de fechamento de todos os cursinhos, da iniciativa privada, embora isso seja contra a constituição. Contudo, em 17 de Dezembro em 2013, a maior investigação de corrupção da história da Turquia abalou o governo do Erdogan. As investigações decifraram uma cadeia de propinas e desvio de dinheiro de bilhões de dólares através de um comércio ilegal de “ouro por petróleo”, entre Turquia e Irã. Isso acontecia em um momento que a ONU impunha sanções contra o Irã. A Turquia excedeu as sanções violando as normas bancárias internacionais. Quatro ministros do Governo de Erdogan e o ator principal das investigações, um jovem empresário iraniano, Reza Zarrab, juntamente com filhos de três ministros que tiveram que renunciar. A conversa telefônica de Erdogan com seu filho Bilal Erdogan mostrou que ele está exatamente no centro de esquema de subornos e desvios. Porém, Erdogan reagiu destituindo os promotores e policiais que conduziam as investigações. Em seguida, os presos das operações, incluindo o Reza Zarrab, foram libertados. Em março de 2016, Reza Zarrab foi preso nos EUA, sob acusação de lavagem de dinheiro e perfuração de sanções contra o Irã. Ele está sendo julgado com possível condenação a mais de 75 anos. Após as revelações, Erdogan alegou que essas investigações, da qual ele é peça-chave, foram organizadas pelo Movimento Hizmet e lançou uma “caça às bruxas”, acusando o Hizmet de “Estado Paralelo”. Como o resultado dessa “caça às bruxas”, mais de 2.000 pessoas foram detidas, sem processo judicial ou julgamento algum, violando o direito internacional, direitos humanos universais e liberdades individuais. Mais de 600 pessoas foram presas, todas sem nenhum processo judicial e/ou julgamento. Um dos três maiores bancos do país, o Bank Asya; uma das maiores editoras, Kaynak Holding; o maior jornal, Zaman; e o terceiro maior grupo de mídia, Ipek, dono de dois jornais e de dois canais de TV, foram confiscados e suas contas bancárias apreendidas. A transmissão dos canais do Grupo Samanyolu TV foi bloqueada. Os dois jornais tomados pelo governo à força pela polícia, o Zaman e o Bugun, foram fechados alguns meses depois da tomada. Dois generais e um coronel, que não quiseram ser cúmplices nos crimes internacionais de Erdogan, foram presos sob a acusação de fazer parte do “Estado Paralelo”, decorrente das investigações sobre caminhões cheios de munição enviados para grupos radicais na Síria pelo MIT (Agência de Inteligência da Turquia). Os promotores, juízes e policiais que iniciaram investigações sobre esses caminhões ainda estão presos. O diretor executivo do Jornal Cumhuriyet, Ugur Dundar, e o chefe da redação, Erdem Gul, publicaram notícias sobre esses caminhões e foram detidos sob a acusação de serem membros do “Estado Paralelo”. Foram presos por mais de 3 meses e condenados a mais 5 anos e 10 meses de prisão. Os membros do Tribunal Constitucional que decidiram pelo julgamento desses jornalistas em liberdade, também foram acusados de fazer parte do “Estado Paralelo”. O diretor executivo da Samanyolu TV, Hidayet Karaca, foi preso por um trecho de roteiro de um seriado de TV exibido em 2005. Os juízes que libertaram ele, também foram presos. Passaportes de centenas de pessoas foram cancelados ilegalmente. Os empresários mais respeitados foram presos, como os irmãos, Haci e Memduh Boydak. Milhares de empresários correm o risco de confisco de suas contas bancárias e bens. 14 mil pessoas estão sob perigo de serem desnacionalizadas por fazerem parte do Movimento Hizmet. Isso nos lembra os processos de expulsão da nacionalidade de milhares de pessoas no Golpe Militar de 1980 e faz com que entendamos o quão grande é a repressão que a Turquia está enfrentando. Para alegar a legitimidade, o Governo de Erdogan vem usando métodos que só podemos ver em países de terceiro mundo, como denúncias de jornais e depósitos bancários falsos. Por outro lado, os relatórios sem embasamento legal são preparados para fechar as escolas instaladas por voluntários e apoiadores do Movimento Hizmet, não somente na Turquia mas também no exterior. Alguns países que têm alguma dependência com a Turquia são pressionados pelo governo de Erdogan para fechar essas escolas. O fato de as atividades da “Kimse Yok Mu” - organização filantrópica de assistência fundada pelo Movimento, conhecida no mundo inteiro por suas campanhas de ajuda humanitária - chegarem ao ponto de parar devido à repressão do governo turco é a evidência mais concreta da dimensão da perseguição contra Hizmet. Quem diria que o Primeiro-Ministro, Ahmet Davutoglu e sua equipe também chamariam o Hizmet de “paralelo” e os membros de traidores? Com o controle absoluto da mídia no país e com todos os recursos públicos à sua disposição, Erdogan fortaleceu cada vez mais o seu poder. Com esse poder, recentemente (maio de 2016) afastou Davutoglu de seu cargo, cometendo um golpe presidencial contra um primeiro-ministro eleito. Com todas essas experiências dos últimos anos, a Turquia testemunhou até que ponto a caça às bruxas e a ambição política podem chegar! Na noite do 15 de julho de 2016, aconteceu uma tentativa de golpe na Turquia, nas cidades de Istambul e Ancara. Apesar de não parecer ser um golpe militar comum, por causa de muitas estranhezas, condenamos o golpe e declaramos nossa posição em favor da democracia. Esperamos que os militares envolvidos nessa tentativa de golpe sejam detidos, julgados e condenados conforme a lei. No entanto, essa tentativa de golpe foi considerada como uma "benção" pelo Presidente Erdogan e Governo Turco para começar o expurgo generalizado no país. Poucas horas após o golpe, as listas com nomes de milhares de pessoas começaram a ser divulgadas como "organizadores de golpe". Tudo indica que, tanto o golpe estranho quanto o fichamento de milhares de pessoas há muito tempo tinham sido planejados e preparados. Desde que as investigações de corrupção vieram a público, em 17 e 25 de dezembro de 2013, Erdogan culpa Movimento Hizmet por todos os problemas na Turquia. No caso desse golpe não foi diferente, fizeram declarações irresponsáveis e difamatórias acusando o Hizmet por essa tentativa de golpe. Começando com Fethullah Gülen, o inspirador do Hizmet, todos os membros e simpatizantes do Movimento condenaram o golpe e declararam defender democracia, como há décadas fazem. Em nenhum sistema democrático com um judiciário independente, seria possível explicar o expurgo em andamento na Turquia, com a destituição, afastamento, demissão, expulsão e até prisão de professores, acadêmicos, empresários, policiais, funcionários públicos, juízes, governadores e até jornalistas; e fechamento de hospitais, escolas, creches, universidades, fundações de ajuda humanitária, associações empresariais, jornais, revistas, sites, televisões, rádios. Por ser decretado "estado de emergência" e suspendido "convenção europeia de direitos humanos", as pessoas são detidas e instituições fechadas sem abertura de processo legal, sem julgamento e sem direito a defesa. Por não encontrar a pessoa procurada (seja empresários, seja jornalista ou professor), os policiais prendem a esposa, o irmão e até os pais. Há também relatos de tortura e estupro cometidos a presos. Esperamos que a comunidade internacional não fique indiferente diante dessa situação da violação de todos os acordos internacionais que defendem os direitos humanos, o direito à defesa, a liberdade de expressão e de religião. Seguem as informações do expurgo em números, até 4 de outubro de 2016. >>>
***Este número inclui (1) estaduais funcionários, professores, burocratas e acadêmicos que foram demitidos por gov't portaria nº 672 emitida em 01 de setembro de 2016; (2) acadêmicos que perderam seus empregos após o encerramento de 15 universidades por outro decreto gov't, No. 677, emitida em 23 de Julho, 2016; e (3) os professores cujas licenças foram revogadas pelo Ministério da Educação da Turquia em 19 de julho de 2016. Para obter informações detalhadas, visite: turkeypurge.com/purge-in-numbers e turkeypurge.com/academics-behind-bars Fonte: www.turkeypurge.com, informações até 4 de outubro de 2016 |