Meu depoimento sobre o atentado no estádio em Istambul
Guga Chacra Em 2009, passei um mês sozinho em Istambul. E três vezes fui a jogos do Besiktas. Este time é um dos grandes de Istambul, ao lado do Fenerbace e do Galatasaray. Se fizermos uma comparação à cidade de São Paulo, seria o equivalente ao Palmeiras – o Fenerbace seria o Corinthians e o Galatasaray, o São Paulo Futebol Clube. O estádio ficava em uma colina. A parte de baixo é próxima ao Bósforo. A de cima margeia o sofisticado bairro de Nisantasi, equivalente aos Jardins em São Paulo, embora seja mais parecido com a Recoleta de Buenos Aires. O estádio, em si, lembrava o Pacaembu quando visto da Praça Charles Miller. Em uma placa, havia os dizeres Besiktas Jimnastik Kulubu. Basicamente, Clube de Ginástica Besiktas – uma agremiação fundada em 1963 muito similar a clubes como o Pinheiros ou o Paulistano, com equipes em diversas modalidades esportivas. O cenário era idêntico ao de partidas no Brasil. Mas, em vez de cachorro quente, sanduíche de kebab. Os torcedores, porém, são mais fanáticos e cantam mais do que os brasileiros. O próprio Zico me admitiu isso – ele foi treinador do Fenerbace. A revista New Yorker certa vez escreveu um perfil da torcida do Besiktas, a descrevendo como a mais apaixonada no planeta. Morei em Buenos Aires e fui a muitos jogos do Boca. É menos, bem menos, fanática do que a torcida do Besiktas. Conhecida como Çarsi, a torcida organizada do Besiktas era comandada por um armênio. Ele ficava dentro do gramado, como um maestro, e regia os torcedores como se fosse uma coreografia. Coloquem no Youtube para terem uma dimensão e ouvirem os cantos. Rapidamente, eu passei a gostar do Besiktas – o que me levou, recentemente, a tomar uma bronca do meu ídolo Alex, maior jogador da história do Fenerbace. Nos anos seguintes, o estádio do Besiktas, assim como o Parque Antártica, foi demolido para dar lugar a uma arena – a Vodafone Arena, estádio mais moderno da Turquia. Quando estive no país pela última vez, em 2014, o estádio ainda não estava concluído. Agora está – e o Besiktas, assim como o Palmeiras no Brasil, conquistou o campeonato turco em 2016. Neste sábado, o Besiktas venceu uma partida do campeonato turco (Super Liga Turca) da temporada 2016-17. O time está na liderança em busca do bicampeonato. Mas, duas horas após a partida, um carro-bomba explodiu diante de policiais. Em seguida, um suicida se explodiu. Ao todo, 39 pessoas morreram. Mais de cem ficaram feridas. Entre as vítimas, policiais e torcedores que ainda estavam nos arredores do estádio. O modus operandi do ataque indica que o grupo terrorista curdo PKK tenha sido responsável. O governo acusa o grupo. Mas a organização não reivindicou a ação. Nos últimos meses, o ISIS (Grupo Estado Islâmico ou Daesh) também realizou atentados em Istambul – um deles contra o aeroporto. Vamos aguardar as investigações, pois é do interesse do governo turco, por questões domésticas, ter sido o PKK e não o ISIS. Desta vez, no entanto, o impacto e a solidariedade com o povo turco foram bem menores. A Turquia virou sinônimo de terrorismo. Para o resto do mundo, se tornou “normal” ouvir que ocorreu um ataque terrorista em Istambul. Mas isso é apenas uma “normalização” de algo que não era comum pouco tempo atrás. Muitos brasileiros visitaram a Turquia sem medo do terrorismo. Hoje, poucos se arriscam. Tem corretamente medo do terror. Para completar, o presidente Recep Tayyp Erdogan está destruindo a democracia no país, perseguindo opositores e censurando a imprensa – dezenas de milhares foram detidos desde a tentativa de golpe no meio do ano. O líder turco também foi responsável por reacender o conflito interno com os curdos do PKK, por envolver a Turquia na Guerra da Síria e por ter aberto a fronteira para jihadistas do mundo inteiro entrarem no território sírio e integrarem organizações como o ISIS. O governo turco também apoia rebeldes algumas vezes ligados à rede terrorista Al Qaeda (Frente de Conquista do Levante, antiga Frente Nusrah) para lutarem contra o regime de Bashar al Assad. Ver a Turquia de hoje me demonstra como uma nação, que cinco anos atrás era exemplo de democracia no Oriente Médio, rapidamente pode se converter em um Estado com terrorismo e distante dos ideais liberais democráticos. Como observamos no mundo hoje, a democracia liberal corre risco diante de movimentos populistas nacionalistas como o de Erdogan. E organizações terroristas, ao mesmo tempo, intensificam seus ataques. Quem sofre é a população. Cenário não muito diferente ocorreu no Egito, onde o general Sissi se converteu em um ditador bem mais sanguinário do que Hosni Mubarak. E a consequência de seu regime até agora foi a intensificação de atentados terroristas cometidos por organizações extremistas – hoje mesmo, um atentado matou 25 em uma catedral no Cairo. Mas isso vale um artigo a parte que escreverei mais tarde. Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires |